‘Eu sou a soma de tudo o que vejo e minha casa é um espelho...’
‘Como ele é educado’ é uma frase que poderia significar ‘como ele é adestrado, como ele é manipulado’. Mas, com isso, não teríamos orgulho de ‘educar’ ninguém, então se inventou essa palavra. De início todos temos escrúpulos. Parece que nasce com a gente (parece, não sei se é assim) o essencial para ser minimamente sociável, para podermos conviver com outras pessoas minimamente sociáveis: nascem controlados, com as pessoas consideradas ‘normais’, os impulsos de matar, roubar, desrespeitar. De resto, tudo é moldado. Na China se come como se não se comesse há 10 anos e se suga com um barulho insuportável o que há no prato, mal se respira, coroando-se toda refeição com um festival de arrotos. Se você não arrota, você é ‘mal educado’. Isso é uma amostra mínima de como nossos hábitos mais básicos são espelhados no que nos rodeia.
Enfim, somos a soma do que se julga coletivamente como correto e ‘educado’. E algumas pessoas prolixas, como são todas as pessoas menos medíocres mas não menos educadas, passam a vida a discutir o resultado das somas alheias como se elas não fossem resultado de nada, como se fossem autênticas. Bah, isso não existe.
Não importa, não sei por que gasto tempo com isso, mas há vezes que gostaria de saber o que seria de minha vida caso eu não tivesse recebido os filtros que recebi. Até porque eu sou uma pessoa que absorve filtros naturalmente, tantos quantos me tocarem. E isso é uma grande tristeza pois eu bem sei, e mais ninguém, quem eu sou sem os filtros. Eu sei o que faria sem eles, acho.
Um querido sempre diz que somos pessoas, eu e ele, que precisam construir um lar ao nosso redor, onde quer que vamos. É verdade, e isso explica meu bem estar ou não diante de um grupo: esse sentimento de me sentir em casa tão essencial para que eu consiga permanecer. O que é absolutamente paradoxal, se penso que no fundo eu busco criar laços como um alguém que não existe, que é apenas resultado de quem quiseram que eu fosse. A verdade é somente velha conhecida de mim mesma. E se souberem quem sou, qual seria o julgamento que teriam de mim? E essa questão é o que me faz permanecer assim, deixando as coisas como são. Pois eu amo, e meu maior medo é não ter os que amo ao meu favor.
Tá, isso realmente parece um surto psicológico, mas não se assustem. É normal que pense assim, e é bom que saibam que penso assim. Pois talvez um dia eu possa te perguntar um ‘como vai?’ e você possa me responder a verdade ao invés do automático ‘tudo bem’. E talvez você também queira assim. Talvez queira me dizer ‘estou aflito pois vou fugir hoje, à meia noite, com uma loira que conheci na internet’, ou ‘estou mal, com uma gastrite nervosa que não me deixa dormir há dias pois quero me assumir homossexual’, e talvez possamos falar sobre isso como quem fala sobre o tempo, da forma mais natural possível mas com uma diferença crucial: no momento em que for dita a verdade socialmente incorreta haverá troca, haverá leveza e, que é o mais importante, não haverá julgamento. Pois não haverá mais necessidade de filtros, as pessoas poderão ser realmente sinceras. Eu poderei responder que acho lindo ou absurdo, e daí? Minha opinião teria a devida importância na sua vida: nenhuma.