21.4.08

Reprografia comportamental

‘Eu sou a soma de tudo o que vejo e minha casa é um espelho...’

‘Como ele é educado’ é uma frase que poderia significar ‘como ele é adestrado, como ele é manipulado’. Mas, com isso, não teríamos orgulho de ‘educar’ ninguém, então se inventou essa palavra. De início todos temos escrúpulos. Parece que nasce com a gente (parece, não sei se é assim) o essencial para ser minimamente sociável, para podermos conviver com outras pessoas minimamente sociáveis: nascem controlados, com as pessoas consideradas ‘normais’, os impulsos de matar, roubar, desrespeitar. De resto, tudo é moldado. Na China se come como se não se comesse há 10 anos e se suga com um barulho insuportável o que há no prato, mal se respira, coroando-se toda refeição com um festival de arrotos. Se você não arrota, você é ‘mal educado’. Isso é uma amostra mínima de como nossos hábitos mais básicos são espelhados no que nos rodeia.

Enfim, somos a soma do que se julga coletivamente como correto e ‘educado’. E algumas pessoas prolixas, como são todas as pessoas menos medíocres mas não menos educadas, passam a vida a discutir o resultado das somas alheias como se elas não fossem resultado de nada, como se fossem autênticas. Bah, isso não existe.

Não importa, não sei por que gasto tempo com isso, mas há vezes que gostaria de saber o que seria de minha vida caso eu não tivesse recebido os filtros que recebi. Até porque eu sou uma pessoa que absorve filtros naturalmente, tantos quantos me tocarem. E isso é uma grande tristeza pois eu bem sei, e mais ninguém, quem eu sou sem os filtros. Eu sei o que faria sem eles, acho.

Um querido sempre diz que somos pessoas, eu e ele, que precisam construir um lar ao nosso redor, onde quer que vamos. É verdade, e isso explica meu bem estar ou não diante de um grupo: esse sentimento de me sentir em casa tão essencial para que eu consiga permanecer. O que é absolutamente paradoxal, se penso que no fundo eu busco criar laços como um alguém que não existe, que é apenas resultado de quem quiseram que eu fosse. A verdade é somente velha conhecida de mim mesma. E se souberem quem sou, qual seria o julgamento que teriam de mim? E essa questão é o que me faz permanecer assim, deixando as coisas como são. Pois eu amo, e meu maior medo é não ter os que amo ao meu favor.

Tá, isso realmente parece um surto psicológico, mas não se assustem. É normal que pense assim, e é bom que saibam que penso assim. Pois talvez um dia eu possa te perguntar um ‘como vai?’ e você possa me responder a verdade ao invés do automático ‘tudo bem’. E talvez você também queira assim. Talvez queira me dizer ‘estou aflito pois vou fugir hoje, à meia noite, com uma loira que conheci na internet’, ou ‘estou mal, com uma gastrite nervosa que não me deixa dormir há dias pois quero me assumir homossexual’, e talvez possamos falar sobre isso como quem fala sobre o tempo, da forma mais natural possível mas com uma diferença crucial: no momento em que for dita a verdade socialmente incorreta haverá troca, haverá leveza e, que é o mais importante, não haverá julgamento. Pois não haverá mais necessidade de filtros, as pessoas poderão ser realmente sinceras. Eu poderei responder que acho lindo ou absurdo, e daí? Minha opinião teria a devida importância na sua vida: nenhuma.

12.4.08

Acaso

"Cada um que passa em nossa vida passa sozinho,
pois cada pessoa é única e nenhuma substitui outra.
Cada um que passa em nossa vida passa sozinho,
mas não vai só, nem nos deixa sós;
Leva um pouco de nós mesmos,
deixa um pouco de si mesmo.
Há os que levam muito, mas há os que não levam nada.
Essa é a maior responsabilidade de nossa vida
e a prova de que duas almas não se encontram ao acaso."

Antoine de Saint-Exupéry

2.4.08

Zona de conforto

Certa vez, um perito pediu para analisar minha assinatura. Dentre outras coisas, disse que eu não sabia sorrir quando pisavam em meu calo e que não nasci para ter patrão. Começo a acreditar piamente nisso. E lá vou eu, novamente, me enveredar por novos desafios (ou melhor dizendo: novas tentativas!).

Eu sempre fui muito pró-ativa. Acho que o grande diferencial entre mim e a grande massa que cruzou comigo na questão de desenvolvimento profissional foi justamente essa. Um dia, na construtora em que trabalhava, meu diretor me chamou para uma conversa. Eu havia proposto trabalhar para ele com um horário reduzido e tocar meus projetos pessoais, e então ele perguntou o que eu queria exatamente. Nem eu soube dizer, mas então ele me disse que sentia que eu estava numa zona de conforto, e que se preocupava com uma possível estagnação de minha parte por causa disso. Doeu.

Há várias coisas que me tiram do sério, mas na ordem de prioridade vêm as pessoas que amo e em seguida, colada à anterior, vem a avaliação que as pessoas ao meu redor têm do meu trabalho. Falar para uma pessoa como eu que ela está numa zona de conforto, estagnada, é como xingar a mãe de mulher da vida. Não deu, fui embora. Eu nem tinha muito certo o que faria quando saísse de lá, e ao final o 1o escritório que trabalhei como formada, que tem trabalhos fantásticos, me convenceu a voltar e eu fui. Isso tem 7 meses.

Daí que lá ocorreu o contrário: eu cheguei com todo o gás do mundo. Estava tão certa da minha escolha e tão motivada com minhas possibilidades profissionais que doei todo o meu tempo para dedicar-me ao desenvolvimento de meu projeto, rompendo com todos os clientes que eu atendia, digamos, como 'pessoa física', sem vínculos. Estava realmente feliz.

Por um acaso do destino, algo deu errado no que havia sido planejado: minha chefe, que me treinava para assumir o projeto em que eu estava, teve problemas sérios de ordem pessoal e precisou ausentar-se por um período não muito breve. Nesse momento eu assumi tudo, a coisa começou a andar do meu jeito, estava tudo bem. Fui elogiada interna e externamente ao escritório. Mas então chegou uma terceira pessoa que conseguiu melar com toda a minha desenvoltura, fazendo com que me sentisse incompetente diversas vezes e questionar a escolha que eu havia feito para sair da zona de conforto. E eu fui colocada na zona de conforto novamente, contra a vontade. Acho que nunca me senti tão deslocada e perdida profissionalmente como estive nos 2 últimos meses.

É muito estranho comunicar à chefe que você admira e se dá bem que você não quer mais ficar na zona de conforto, até porquê nem eu sei bem definir a zona de conforto de onde estou hoje. Sei, por exemplo, que mandar e-mail assinando por outra pessoa e ignorar e-mails que me mandam diretamente para que outra pessoa responda me dão sensação que estou na situação mais patética do universo, mas não dava para usar isso como O argumento. Mas consegui dizer, por exemplo, que desisti de tentar me sobressair e trabalhei como estagiária nas últimas semanas só para evitar atritos, e que achava que me manter dessa forma era injusto com o salário que me pagavam. Há também uma série de problemas na estrutura, que acho que poderiam ser resolvidos, mas ainda assim eu resisti às possibilidades que ela me apresentou para reconsiderar. Penso que se não fosse a terceira pessoa eu poderia estar contente, e sabe-se lá se um dia sairia de lá. Mas parece que o cosmos não gosta que eu chame um lugar de meu.

Não faço a menor idéia do que me aguarda. Mas, juro, prefiro trabalhar com um zé-ninguém que saiba aproveitar minha ambição profissional, e crescermos juntos, do que ter toda a autonomia do mundo num lugar que queira me deixar numa zona de conforto. Definitivamente, isso não combina comigo.

Mesmo sem ter noção do que me aguarda, não me sinto mais perdida. Espero que daqui outros 7 meses eu possa dar boas notícias sobre o lugar MARAVILHOSO que estarei trabalhando, e sossegar.

1.4.08

Talassemia

Numa crise de estresse há 7 anos tive uma espécie de alergia que espalhou umas feridinhas parecidas com catapora pelo meu corpo todo. Então descobri que sou portadora de uma anomalia genética no sangue cheia de manifestações chatas chamada TALASSEMIA, ou anemia do mediterrâneo, ou anemia dos italianos. Isso porquê a anomalia surgiu na península européia, principalmente entre gregos, italianos, portugueses e espanhóis. Dai achei importante contar para vocês pois muita gente descendente dessas regiões têm a anomalia e não sabe, e apesar de não haver cura é possível tomar alguns cuidados para que o problema não se torne maior.

A talassemia é uma doença hereditária de transmissão recessiva que causa anemia leve ou severa. Ao contrário do que muitas pessoas acreditam, nem toda anemia é falta de ferro. Pessoas com talassemia, inclusive, costumam apresentar índices de ferro acima do normal, que prejudicam o metabolismo. A anemia talassêmica, na verdade, é decorrente da hemoglobina reduzida (hemoglobina é a proteína do sangue) devido às cadeias genéticas defeituosas do organismo: os genes que codificam a hemoglobina estão faltando ou são diferentes. O organismo, então, compensa essa falta com um número excessivo de glóbulos vermelhos, mas estes apresentam um tamanho menor que o normal e uma forma defeituosa. A produção de glóbulos vermelhos consome muita vitamina B e ácido fólico (que é o regulador de ferro no organismo, e por isso o ferro torna-se um vilão nos talassêmicos), causando uma desordem no metabolismo.

Como consequência, o talassêmico apresenta uma série de sintomas. A mais perceptível é a cor da pele, geralmente muito branca. Além disso, devido ao tamanho reduzido dos glóbulos vermelhos (responsável pelo transporte de oxigênio pelo organismo) os talassêmicos costumam apresentar sono e fraqueza acima do normal, além de cansaço e palpitação quando praticam atividades que exijam um pouco mais de esforço. Também apresentam muita queda de cabelos e unhas quebradiças.

A vida de um talassêmico minor, que é meu caso, é normal. Exceto pelo sono, cansaço e falta de ar constantes, se pode fazer de tudo. Há necessidade de tomar ácido fólico diariamente para evitar o excesso de ferro no organismo e a piora dos sintomas em decorrência disto. Grave mesmo é carregar a carga genética, que se somada à outro gene portador de thalassemia minor pode gerar um indivíduo com thalassemia major, ou anemia de Cooley, que é algo bem mais grave. Nesse caso, a pessoa necessita de constantes transfusões de sangue e outra série de cuidados. Até pouco tempo, a maioria dos portadores da anemia de Cooley não chegavam à adolescência. Um hematologista é capaz de diagnosticar se você é portador do gene e qual a gravidade de sua talassemia com facilidade através de exames de sangue simples, mas que não são solicitados num clínico geral. E é muito importante saber disso antes de pensar em filhos.

Então é isso, queridos! Me senti na obrigação de difundir a informação. ;)