15.9.12

Amanhecer

Uma vez ela havia lido um livro ruim onde apenas uma passagem pareceu interessante: a do protagonista vendo a amante usando dos mesmos gestos que usava com ele numa terceira pessoa. Empregava as mesmas frases prontas, exaltava suas próprias qualidades ao terceiro como fizera diante dele tantas vezes, se insinuava da mesma forma que ele conhecia tão bem. Ele havia acabado de abandonar a família para ficar com ela e, nesse momento, sentiu um peso enorme saindo de dentro de si, deu meia volta e voltou para casa. O livro era tão ruim que ela não sabia dizer se foi aceito de volta pela família, só lembrava que ele voltou a encontrar a felicidade depois disso.

Um dia, andando numa rua movimentada de sua cidade, viu a cena se repetindo na vida real. Ela era o protagonista. E o ser amado estava lá, usando as mesmas frases inteligentes, dando risada das próprias piadas para fazer a moça com quem estava embalar na sua gargalhada, cantando as mesmas músicas que fizeram com que a protagonista se apaixonasse por ele anos antes. E então compreendeu o livro ruim. E compreendeu seus sentimentos: ela não o amava, ela era apaixonada pela paixão. O moço era um tanto talentoso no uso de suas capacidades no jogo da conquista e aplicaria o golpe quantas vezes fossem necessárias para, como um vampiro, extrair até a última gota de vida da vítima. Mas a verdade é que nesse momento ela voltava à vida. 

3.9.12

Força

Ele a achava fraca por chorar por qualquer motivo. Não conseguia ver, em sua força (que na verdade era uma covardia travestida de austeridade), que ela chorava por ser seu oposto. Chorava pela saudade, pela tristeza, pela alegria. E mais. Chorava pois essas palavras eram muito aquém do que sentia. O choro era a literalização daquilo que vocabulário algum exprimia, era a sua expressão própria para tudo aquilo que a transpunha, tudo aquilo que era indizível.

Chorava pois era grande demais.

Cavalgada

"Sentia-se como um cavaleiro que cavalga num vazio magnífico, um vazio sem esposa, sem filho, sem lar, um vazio magnífico varrido pela vassoura de Hércules, um vazio magnífico que ele preencheria com seu amor.
Um sobre o outro, ambos cavalgavam. Iam ambos em direção às distâncias que desejavam. Aturdiam-se ambos numa traição que os libertava. Franz cavalgava Sabina e traía sua mulher, Sabina cavalgava Franz e traía Franz."

(Milan Kundera em A insustentável leveza do ser)
Me deu saudade repentina disso aqui. E isso não é bom sinal.

8.4.11

Destino:

: conceito inventado para aceitarmos fatalidades ou justificar impulsos por coisas que nos são irresistíveis.

17.3.11

A arte de sorrir cada vez que o mundo diz não

Um antigo patrão me disse certa vez que eu era a cara da Maria Bethânia. Com a minha cara de Bethânia-triste depois de ouvir isso, ele falou: 'mas ela é linda, você não acha???'

Ele tinha mesmo que dizer a CARA? E olha que eu estava no auge dos meus 16 aninhos.

Depois me preocupo com os efeitos que a idade pode ter em mim e vocês acham que estou exagerando...

6.3.11

Com o retorno de Saturno...

...decidi começar a viver. (Renato Russo)

Se eu acreditasse em astrologia, eu diria que o retorno de Saturno fez todo o sentido na minha vida. Mas a verdade é que passar o meu último aniversário no velório de uma pessoa querida abriu mais meus horizontes que qualquer ciclo zodiacal poderia abrir: a vida é breve, e não é rascunho.

Aos 33, decidi começar a viver.