28.3.09

Valores

E cada vez mais nós valorizamos coisas que não são minimamente necessárias. Trabalhamos o dia todo, para chegarmos em casa cansados com tempo apenas para um banho rápido antes de desmaiarmos na cama e começarmos o outro dia da mesma forma. E para quê? Para ter o móvel da revista, o carro do ano, o computador com o último processador do mercado ou um celular com um design mais interessante, com a desculpa de que ele é 3G e vai economizar seu tempo. Tempo para quê, mesmo? Para trabalhar mais e conseguir comprar mais coisas que não teremos tempo de usar. Enfim, é como diz Madá: a gente trabalha para pagar as necessidades que a gente insiste em criar e que, no fundo, nos afastam da vida.

Após anos, então, vejo o homem que já foi meu ícone masculino, meu ícone de proteção, provisão e segurança falando chorosamente ao pronunciar meu nome. Ele tem os cabelos muito mais grisalhos do que quando o vi pela última vez, e se aproximou com uma humildade que eu não conhecia nele. É herança dele a forma de se expressar de meu irmão mais velho. E também é dele a paixão que o mais novo tem por invencionices. Sua teimosia explica boa parte da personalidade da minha irmã. E eu... não me reconheço nele. Mas o amo, por ser quem é na minha vida. Coisa que Deus talvez explique, vai saber? O fato é que, felizmente, não herdei dele essa busca incessante pelo 'ter' que se sobrepõe ao que julgo essencial e que hoje reconheço mais que nunca como o que realmente importa. Foram necessários anos de solidão e distância para que ele percebesse o que é realmente necessário para viver.

Aqui dentro eu tenho um desejo imenso de que dessa vez ele faça as coisas de forma diferente, e de que não se esqueça das lições que a vida lhe deu nos últimos tempos. Tempo perdido, meus caros, é tempo perdido: não importa o quanto se aprenda com ele. Reconheço o tamanho do passo que ele deu para chegar até o meu lado do muro e sei o quanto isso foi difícil para alguém orgulhoso e que não admite estar errado jamais. Estou feliz.

Por outro lado estou achando muito esquisito ter um pai. Ele já não é mais ícone de coisa alguma que já foi. Preenchi essa lacuna assumindo na minha família justamente o papel de quem me faltou. E caso ele permaneça do lado de cá, precisarei achar um lugar para essa relação na minha vida. Isso tudo é muito estranho.

O que me alegra, em detrimento do que me chateia por ver tudo isso, é reconhecer que o lado do muro em que fiquei tem tudo o que eu preciso.

18.3.09

Aprenda a reclamar

Estou orgulhosa de mim mesma. Eu normalmente sou paciente demais na resolução de problemas e tento conversar mais vezes do que deveria, mas descobri que sou uma trouxa por ser assim.

O caso do post abaixo me deixou muito chateada. E eu, que sou tão paciente e honro meus compromissos financeiros tão religiosamente que sou capaz de passar fome para deixar minhas contas em dia, não pude conter minha raiva diante do que fizeram comigo.

Pois bem: MD me ajudou de imediato e família toda vai trocar de operadora. Denuncei num site de reclamações, na ANATEL, na Folha de São Paulo e consegui um contato no Procon e na Rádio Bandeirantes, esses dois últimos iriam conhecer meu caso amanhã.

Agora há pouco recebo um telefonema da TIM, que através do conhecimento de minha reclamação na Folha de São Paulo reviu todas as minhas contas e me concedeu em dobro os valores cobrados indevidamente, em forma de créditos. Isso me impede de trocar de operadora de imediato, mas troco assim que gastar tudo. É que foi crédito pra caramba, deve equivaler a 4 ou 5 meses de faturas que já posso considerar pagas. Minha irmã me chamou de 'vendida', mas não posso jogar 600 reais no lixo assim, não é verdade?

Infelizmente não falarei ao vivo na Rádio Bandeirantes, nem darei entrada ao meu primeiro processo no Procon. Mais triste ainda é que não farei o adesivo para colar no Pé-de-pano que dirá 'A TIM me roubou, mudei para a Claro' pelos próximos meses. Mas essa história me fez aprender duas lições muito importantes:

1 - Jamais se cale diante de uma injustiça: se eu fosse reclamar de cada fatura errada, poderia ganhar créditos para o resto da vida da TIM. Como só falei das últimas, terei que me contentar apenas com alguns meses.

2 - Reclame na Folha de São Paulo: Os caras não cobram um centavo para te ajudar, e de todos os meios que recorri foi o mais eficiente. Em pouco mais de 24 horas recebi um telefonema da TIM com todas as correções feitas e telefone desbloqueado no mesmo instante. Sensacional!

Sobre bloqueio, a atendente informou ser cláusula contratual de prestação de serviços com consentimento da ANATEL a prevenção de inadimplência. Anyway, acho um absurdo. E como eu não tenho mais o contrato do celular, vou ter que ficar quietinha até averiguar a cláusula 9.2. Mas vou prestar atenção nesse tipo de cláusula quando trocar de operadora.

13.3.09

TIM - o absurdo dos absurdos

Eu gostaria que vocês tivessem um pouco de paciência para meu desabafo, principalmente se você usar os serviços TIM.

Eu mudei meu plano de 120 minutos para um plano de 40 minutos em janeiro, de forma a me organizar com minhas contas pois suspeitava que a TIM estava cobrando minutos acima do meu gasto real. Como a desculpa que me davam para os valores altíssimos de minha conta eram cobranças retroativas, me senti acuada em provar que não tinha um gasto daquele tamanho, então mudei meu plano.

Quando minha empresa me transferiu em janeiro para passar 1 mês em Salvador solicitei a uma atendente que habilitasse um pacote para efetuar ligações em roaming e ela, insistindo que não havia um pacote promocional para efetuar chamadas fora do estado, me vendeu um pacote para recebimento de chamadas em roaming: não haveria cobrança de roaming nem AD por chamada em 100 minutos de ligação, durante 30 dias. Com esse pacote habilitado e protocolo devidamente anotado, avisei todos os meus conhecidos de que não efetuaria ligações, e que em caso de emergência enviaria uma mensagem sms para que me ligassem no celular.

Minha primeira conta, com apenas 1 semana de deslocamento interestadual, já veio absurda. Constatei que não haviam habilitado o plano de recebimento de chamadas que havia feito, mas sim um plano de efetuar chamadas em roaming (aquele que eu havia pedido e a atendente me informou não existir). Sendo assim, solicitei revisão de conta referente aos 40 minutos de roaming e chamadas recebidas em minha primeira semana fora do estado.

A fatura subsequente continuava cobrando o pacote que não havia sido habilitado e cobrando todas as ligações recebidas em Salvador. Liguei novamente e expliquei o caso, e a atendente terminou a conversa dizendo que habilitaria o plano correto. Ora, eu já estava em São Paulo e não queria plano nenhum, queria uma revisão de conta com o plano correto. Ela me pediu 5 dias para avaliação e a TIM daria um retorno. O retorno foi rápido, constataram o problema e fariam o cancelamento do pacote que não pedi, mas não revisaram minha conta. Pedi a outro atendente a revisão, novamente pediram 5 dias e deixaram um recado em meu escritório dizendo que o problema havia sido solucionado. Fiquei feliz, liguei para confirmar e a atendente, trocando em miúdos, me disse que foi constatado o erro mas que a TIM não julgava a conta incorreta. Falei que era a 6a vez que ligava para tentar resolver o problema e que não era possível constatarem o problema e não revisarem a conta: isso não era resolvê-lo. A ligação caiu misteriosamente...

Hoje estive na rua boa parte do dia, correndo como louca para retornar à São Paulo com meus deveres cumpridos. De volta ao escritório havia duas ligações perdidas de um número estranho em meu celular, que obviamente não retornei por estar fora de minha área. Tinha um compromisso no fim do dia com meu chefe, e chegando ao hotel fui descansar esperando sua ligação para encontrá-lo. Quando acordei, horas depois, verifiquei várias mensagens em meu celular. Tentei retorná-las, mas voltavam com mensagem de erro. Então fui tentar efetuar ligações e minha primeira tentativa foi redirecionada para a TIM. E agora, meus caros, é que segue a grande pérola do dia, para a qual vou até mudar de parágrafo.

A atendente Alana pediu milhões de confirmações, inclusive sobre a data de vencimento da fatura. Informei que as faturas vencem no dia 15 de cada mês. Em seguida informou que foi verificado que meu uso de minutos está muito acima do pacote contratado. Para que vocês que me lêem tenham uma idéia, no 1o mês de plano de 40 minutos tive uma conta de R$180,00, e no último mês (cuja fatura vence no próximo domingo dia 15) a minha conta, pelos erros de ativação de pacotes da TIM, veio com o valor de R$350,00. Na mesma hora pensei 'nossa, lá vêm eles me oferecer um pacote maior...'. Mas não. Me informaram que minha conta estava sendo bloqueada para efetuar E RECEBER chamadas, a menos que eu efetuasse o pagamento ADIANTADO da fatura com vencimento no próximo domingo. Assustadíssima, perguntei novamente o motivo do bloqueio pois não devo nem 1 centavo à TIM e minha próxima fatura não venceu, e tive a reconfirmação de que minha conta estava sendo bloqueada se eu não pagasse antecipadamente a fatura que vence daqui a 3 dias. Falei que achava um absurdo fazerem aquilo sem nem mesmo um aviso prévio, e ela me informou que houve tentativa de contato hoje pela manhã. Informei que estava em outro estado e não tinha como efetuar o pagamento, ela me retrucou que se eu efetuasse no dia do vencimento teria o número bloqueado até lá e a reativação só ocorreria 3 dias após a constatação do pagamento. Falei novamente sobre minha indignação diante de tal absurdo, ela perguntou apenas se eu tinha mais alguma dúvida. Então disse que faria o pagamento de minha fatura na data do vencimento e que após a reativação do meu celular na próxima quinta-feira eu teria o prazer de dar o primeiro telefonema para cancelar meu contrato com a TIM, e em seguida levaria o caso para o PROCON. Ela respondeu que a TIM agradecia o contato, e me desejou boa noite, e tu tu tu tu...

Ainda estou indignada. Estou numa cidade distante, meu único meio de comunicação é o celular. Não devo absolutamente nada à operadora, desligaram minha linha sem aviso prévio e ainda ouvi que deveria efetuar o pagamento antes da data do vencimento da fatura num tom ameaçador pelo 'justo' motivo de que usei demais o celular. Isso é uma piada?

Tenho infinitas reclamações sobre o atendimento da TIM, sobre problemas de cobrança da operadora. Mas hoje não estou aqui simplesmente por estar emputecida pelo mau atendimento. Nem por ter feito 6 ligações de uma hora cada nos últimos 15 dias para tentar resolver meu singelo problema do erro de ativação do pacote. Estou aqui por estar indignada, me sentindo desrespeitada como consumidora de uma maneira que jamais imaginei ser possível. Nunca ouvi um caso tão absurdo em termos de prestação de serviços quanto esse que estou narrando e, infelizmente, aconteceu comigo.

Então, se você é meu amigo e tem um número TIM terei o prazer de pagar sua portabilidade para que mude de operadora junto comigo. Esse é um compromisso, uma proposta séria, registrada aqui para que não reste dúvidas.

E estou aqui, rezando, para que esteja tudo bem com minha família e que não haja nenhum problema até minha volta.

Perplexidade é pouco para traduzir meu estado.

12.3.09

O encanto de Quirino

Numa reunião tensa, um respiro de informações dito por alguém que possuía um tipo de problema nas cordas vocais. Inicialmente pensei que teria dificuldades para escutar alguém que falava como quem perdia completamente o ar a cada hiato, mas quanto mais ele falava mais interessada ficava a assembléia. De suas metas técnicas, talvez poucas tenham sido atingidas no discurso, mas no entanto ele foi o único a arrancar palmas entusiasmadas no meio do marasmo dos ânimos tão distintos daquele encontro.

No término da reunião, não resisti: perguntei se lhe poderia fazer uma visita. Ainda hoje, se o senhor puder. E fui. Eu não descobri se o homem de cabelos brancos era engenheiro, assistente social, poeta. E percebi o quanto podemos ser limitados como seres humanos quando defendemos nosso pífio ponto de vista profissional. O mundo é holístico, a vida não segue regras, a cidade pulsa, ouvi e tive que concordar.

Quando mudei de escritório há alguns meses, fiquei um pouco assustada com o discurso de 'equilíbrio de energias' na concepção de um projeto, pois eu tinha um ranso com a palavra 'energia' fora do contexto elétrico. Mas é que isso era um reflexo da minha pequeninice como humana, e da minha vaidade pseudo intelectual. Daí hoje a falta de ar do Sr. Quirino me fez ver claramente que a sua forma de se apresentar como 'Fulano de tal Quirino Sbrobous' e não como 'Quirino, profissional da área X' podem definir uma postura de vida. Se eu tivesse conversado com o Sr. Quirino Profissional X eu teria descoberto o que fui perguntar - as propostas municipais para minha área de atuação. Mas como fui atendida pelo Fulano de Tal Quirino Sbrobous, eu refleti sobre o mundo ser holístico, sobre a vida que não segue regras, a cidade que pulsa. Inclusive que tudo precisa de equilíbrio de energias para ser. Inclusive que o fato de ser arquiteta não significa nada se eu ignorar a rançosa energia. Na verdade, coisas que eu já sabia mas não dava crédito, pois insisto em ser somente arquiteta.

Uma imersão em lugar estranho por 1 mês ou uma faculdade de 5 anos não conseguiram moldar meu olhar da forma como o Quirino fez em poucos minutos. O encanto de algumas pessoas me fascina.

5.3.09

Meu caso com o dendê

Post tardio, mas de grande utilidade para meus conhecidos que desejam conhecer a cidade dos Soteropolitanos.

Sinceramente, fui à Salvador empolgada com o trabalho e nada empolgada com o lugar. Quem me conhece sabe que praia não é minha praia, e que o calor é o segundo motivo que mais colabora com minha falta de humor, perdendo apenas para a TPM.

A chegada já me deixou assustada com duas coisas: o calor (esperado, mas não achei que seria recepcionada por 40ºC) e os soteropolitanos ao volante. Os congestionamentos já se assemelham aos de São Paulo, mas as pessoas são completamente loucas no trânsito e a falta de educação deles na direção assusta até mesmo nós que temos os maiores congestionamentos do país: as pessoas não sabem o que é faixa, até por isso não dão sinal para qualquer movimento mais brusco numa rua. E o mais intrigante é que isso é tão comum que ninguém buzina para as barbeiragens alheias. Daí que percebi o quanto somos educados no trânsito aqui.

Sobre o calor, não tenho palavras para descrevê-lo. Eu não peguei um dia sequer cuja máxima fosse inferior a 35ºC. Ao acordar o sol já ardia, e quando saía de meu quarto para o elevador do hotel num percurso que não durava 30 segundos as gotas de suor começavam a tomar conta de partes do meu corpo que eu nem sabia que existiam. Andar nas ruas de Salvador com uma calça jeans foi a experiência mais bizarra da minha vida, e foi a primeira vez que vi que minhas pernas poderiam escorrer, ou que eu poderia literalmente torcer uma peça de roupa molhada de suor sem que isso fosse apenas uma força de expressão. Aliás, tudo o que usamos aqui como força de expressão para falar de calor eram literais para as queixas sobre o calor de lá. E não pensem que era por que sou galega, o pessoal local reclamava tanto quanto eu! Daí a leseira, da qual não abro mais a boca para criticar. Trabalhando um turno de 8 horas normais eu sentia como se estivesse duas noites sem dormir, tal era o cansaço que o calor me dava. Insano. Me sinto patética em lembrar dos casaquinhos que levei.

Talvez por estar acostumada com a camuflagem das favelas por onde passo em São Paulo, fiquei impressionada com a quantidade e o tamanho de invasões de Salvador. Não chega a ser o Rio, mas está quase empatando. E a cidade é geograficamente tão acidentada que realmente salta aos olhos passar numa avenida ampla e movimentada e estar cercado por morros cravejados de casinhas humildes com escadarias que não vemos o fim subindo por diversos pontos.

Por outro lado, a arquitetura histórica é fantástica, e é impossível dissociá-la da história da cidade: a cidade foi crescendo e o estilo das épocas foram se imprimindo nos casebres, nos solares, nos fortes, nas igrejas. Salvador tem tantos sítios históricos que se torna paisagem comum. Daí meu quarto susto: com exceção do Pelourinho que teve uma intervenção recente, tudo é abandonado, invadido, deteriorado. No começo eu fiquei revoltada com o poder público, mas depois percebi que não há esforço público que consiga restaurar uma cidade histórica do tamanho de Salvador. E deu um baita nó no coração ver tanta coisa perdida.

Trabalhei num lugar maravilhoso, e esse projeto é o trabalho mais especial que já tive contato na vida. A rua tem toda característica de uma cidadezinha de interior, mas as casas ficam coladas na beirada da cidade alta, no limite da encosta com 70 metros de altura, com uma vista mágica para a Baía de Todos os Santos. Em 10 minutos a pé entre subidas, descidas e muitas escorregadas nos paralelepípedos tão gastos pelo tempo, se chega ao Pelô. E toma outro susto: aquilo é uma Disneylândia onde todos te pegam pelo braço para tentar te vender correntinhas, fitinhas, miudezas folclóricas. Eu fico imaginando um estrangeiro de cultura bem fria com tanta gente o tocando, deve ser muito assustador! E meu amigo, loirinho de olhos claros e extremamente cordial, era um prato cheio. Fomos abordados n vezes, e em todas elas meu amigo parou para conversar. Em determinado momento achei que estaria mais segura se sozinha. Descendo o Elevador Lacerda fomos pegos por um círculo de ciganas querendo ler nossos destinos. Consegui convencer aquela que me puxou de que não acreditava em destino, mas meu amigo parou para escutar. E eu fiquei conversando com a 'minha' cigana quando ao final ela me disse: 'muita felicidade para vocês!', ou algo assim, entendendo que eu e meu amigo formávamos um casal. Então continuo não acreditando em destino, e muito menos em quem diz saber dele.

Outra decepção foram as praias. Demorei dias para encontrar de perto com o mar, e o cheiro de maresia que eu adoro quando vou ao Litoral não chegou ao meu nariz nem quando fui à orla. Salvador tem boa parte do mar chegando em áreas portuárias, encostas e praias de pedras. As praias mais afastadas ao Sul foram tomadas por invasões, e só passando Itapoã é que encontrei algumas praias com cara de praia, que estavam tomadas por algas. Imaginava Salvador como uma grande Praia do Forte, linda, mas não é bem assim... São poucos pontos com faixas de areia, e quando cheguei a essas praias maiores, elas eram tomadas de barracas onde vivem pessoas, que trabalham e moram lá e despejam seu esgoto direto no mar. Triste. A cidade toda é bem suja, e nos locais por onde fiquei trabalhando o cheiro mais marcante é o de urina. E além da urina, a sujeira é muita, em qualquer bairro. Talvez por isso lavam o Bonfim, o Rio Vermelho, Itapoã e tantos lugares mais! Brincadeiras à parte, a sujeira é um ponto muito negativo da cidade.

A exploração do turismo é uma coisa engraçada. Me pergunto o que se considera 'turístico', pois julgo que a coisa mais interessante para se fazer numa cidade estranha é conhecer o estilo de vida das pessoas de lá e seus costumes, como elas se relacionam com a cidade em que vivem e como a cidade responde a tudo isso. Tudo bem em ir ao Bonfim, tudo bem comer moqueca, tudo bem ir ao Elevador Lacerda, mas acho ridículo ver as Baianas vestidas com aquelas fantasias de 3 séculos atrás pedindo 1 real para tirar uma foto com você, como se fosse essencial sair de Salvador com uma foto de coisa que não existe mais. Então não me faz muito sentido o Pelourinho, que é o dos principais cartões postais da cidade, ser o que é. É desconcertante chegar num lugar com aquela magnitude e ver 1 milhão de lojinhas iguais vendendo pseudos abadás com fitinhas do Bonfim. Se querem saber, a melhor parte da minha estada foi sentar na Biblioteca Municipal e ler os jornais do bairro desde 1960, ouvindo Bethânia a tarde toda junto com a conversa fifi das bibliotecárias.

A cidade é perigosa. O André perdeu a máquina fotográfica que nem tinha terminado de pagar num passeio rápido para um trombada . E diversas vezes as pessoas que nem me conheciam me alertavam na rua para meu jeito de segurar a bolsa, ou locais onde eu não deveria me atrever a fotografar. E isso é uma caractetísca do soteropolitano: eles se sentem íntimos de qualquer pessoa e falam com um estranho como se estivessem aconselhando um irmão, primo, sobrinho. Era algo para se deduzir de um povo que chama o Pelourinho de Pelô, Caetano Veloso de Caê, Daniela Mercury de Dani e Cláudia Leite de Claudinha. Eles são acolhedores, até demais. Logo que cheguei fui recebida por uma paulista que me dizia justamente que a hospitalidade do povo baiano era sem igual. Em poucos instantes alguém já te convida para ir à sua casa, a passar uma temporada na casa do primo que fica na praia não sei qual, e toda vez que eles te levam para sair resolvem mudar o itinerário para visitar um fulano novo com o simples intuito de te apresentar. Isso aconteceu muitas vezes, e em todas torci o nariz quando fui informada da alteração de planos, mas em todas me surpreendi com o carinho com o qual recebem um estranho em casa e no quanto eles fazem questão de te fazer sentir-se em casa.

Somando isso à gastronomia local, eu sinceramente esquecia dos pontos negativos. Se não fosse a mania que têm de colocar coentro em tudo o que se faz eu teria passado muito bem. Comi tanta moqueca, de todo o tipo de coisas que se possa imaginar, vatapá, caruru e tanto acarajé que considero um milagre voltar à São Paulo depois de 1 mês sem ter ganhado um quilinho extra. Acarajé eu comia no pé do hotel, pois em Salvador você encontra barraca de acarajé em cada esquina, como temos de cachorro quente aqui. É o que salva o cheiro de urina da cidade: o disfarce do dendê. E descobri que adoro dendê. Aliás, lá o dendê é chamado simplesmente de azeite, e o nosso azeite é 'azeite doce' ou 'óleo de oliva'. Eu paguei mico pedindo azeite para colocar na salada mais de uma vez, enquanto o garçon me olhava como se visse uma louca que gostasse de dendê no alface. Enfim, o cheiro de dendê é a minha lembrança de Salvador.

Pouco antes de vir embora o pessoal com quem trabalhei perguntou se eu sentiria saudades de lá. Com o calor que fazia, não consegui disfarçar minha satisfação em voltar para casa, e estava feliz por dar um tempo ao axé que tomava conta dos meus ouvidos na cidade onde é carnaval o ano todo, na semana antecedente ao carnaval de fato. Não posso negar que eu sentiria falta da moqueca e do acarajé, mas no entanto estou na cidade com o melhor circuito gastronômico do país, e batendo uma saudade do dendê eu dou um pulinho num bom restaurante. A saudade mesmo fica por conta das ótimas pessoas que conheci, que fazem festa por qualquer pequeno motivo e que diante de tanta coisa negativa conseguem encontrar motivos sem número para celebrar. Essa sim é a melhor coisa de Salvador: um povo daquela pele escura linda e que faz morrer de inveja qualquer branquelo sem graça como eu, que de tanto ter sofrido pela escravidão consegue sorrir ao estranho e fazer música para qualquer pequena coisa, numa eterna ode de quem reconhece de onde veio e o quanto sofreu para poder andar livremente nas ladeiras de paralelepípedo.