24.8.09

Partida


A possibilidade iminente de deixar a cidade apareceu e me tirou o sono por dias. Com uma carga de trabalho acima do normal, não sabia se a insônia aliada à dor de estômago e enxaqueca eram resultado de um ou de outro. Ambos os fatos me fizeram pensar.

Deixar para trás família e amigos sempre foi dos meus maiores pesadelos. Eu jamais pensei em sair da cidade ou do país, apesar da insistência de alguns amigos que já tomaram esse rumo e qualquer viagem mais longa me faz querer voltar para casa após uma semana. Mas dessa vez foi diferente. Não sei se por causa do cansaço do trabalho, das pessoas, da vida, mas dessa vez olhei para isso de forma oposta.

Eu sou uma esponja. Eu absorvo os outros, o problema dos outros, cultivo uma responsabilidade sobre o alheio que chega a ser doentio. E essa carga vem me deixando pesada de uma forma que eu não consigo mais ir adiante. Então uma partida me pareceu tão sedutora, como se o foice que evitei usar a vida toda viesse pela mão de outra entidade e me cortasse o cordão umbilical, os vícios, o indesejável. O peso. Minha vida teria espaço para tantas coisas, melhores e mais sadias. Talvez eu conseguisse, enfim, me contentar com um turno de 8 horas (apesar dos mais chegados duvidarem disso veementemente), pudesse andar de bicicleta e ter um cachorrinho. Talvez eu curasse a gastrite, a bursite, o mioma, a tendinopatia, a esofagite e o hiato, e todos os problemas de saúde que surgem já graves para tratar em qualquer exame bobo de rotina.

Apesar da possibilidade estar quase descartada, tudo o que pensei diante disso não. Vejo um pequeno clarão com fundo azul despontando daquele céu escuro que me acompanha há anos. Pois eu cansei e, mais ainda, percebi o cansaço. E quero ver o céu azul, e quero sorrir, e quero tantas coisas que agora sei que quero.

Minha partida tem o gosto de chegada.