25.6.10

Cadernos

Meus pais sempre guardaram bagunças. O salão de festas da casa da minha mãe é entulhado de velharias que não servem para absolutamente nada, a não ser que durem ainda uns 100 anos e sejam vendidos para museus do futuro para render algum dinheiro aos meus bisnetos. E eu odeio isso.

Moro num micro apartamento, então não consigo pensar na possibilidade de ficar guardando coisinhas. E não tenho nem de longe essa mania das nossas tias de guardar potinhos de vidro, de sorvete e afins: vai tudo para a reciclagem.

Mas devo confessar que meus cadernos não entraram nessa onda de desapego. Eu não consigo me desfazer deles. Certa vez havia tantos cadernos do colégio que, num surto, joguei tudo fora. Fiquei mal por dias. E ainda hoje guardo mágoa de uma professora de biologia que pediu meu caderno emprestado para montar suas aulas e nunca mais o devolveu.

E no trabalho eu também uso cadernos. Esses não foram embora desde que iniciei a carreira. São 10 anos de anotações que, vira e mexe, eu folheio para me lembrar. Me lembro de coisas importantes que devem permanecer na memória de um arquiteto, como o tamanho máximo de uma folha de vidro ou a dimensão de alguns equipamentos para montar uma loja de café. Geralmente são programações com meus horários absurdos (folha 1000 das 3 às 4:30 da madrugada, folha 4100 das 4:30 às 6:00 e fechamento dos desenhos das 6:00 às 7:00) ou a sequência para finalizar desenhos de entrega: 'cotar detalhes, hachurar pedras, inserir cotas de nível, ajustar viewports no layout'. Há também atas de reunião e uns desenhos que vão dos úteis (como esboços de detalhes) aos bobos para horas de tédio, como um pé, uma caricatura de uma amiga, um camelo que ilustrava que eu estava 'camelando' e um astronauta olhando o planeta Terra beeeeeem de longe, que provavelmente desenhei ouvindo 'Space Oddity' do Bowie.

Mas o melhor mesmo é me lembrar dos momentos que fiz as anotações. Tem o dia da reunião com a moça que me terceirizava trabalhos de um grande escritório, me dizendo o que eu devia entregar no dia seguinte, no outro e no outro, e eu me lembro da sensação exata de cansaço e da aflição pelos dias que haveriam de vir. Tem o dia que minha letra está toda torta pois cheguei à reunião atrasadíssima, correndo e tremendo. Tem a padronização que o tal escritório me pediu para montar para eles, e o treinamento que dei após passar mal a noite inteira. Tem o dia que eu estava apaixonada, tem o dia que eu estava morrendo de raiva, o dia em que eu negociava o Pé-de-Pano com a financeira e o dia que eu estava sem dormir havia muitas horas. Há muitos recados de queridos e desenhos de projetos do meu bule, do meu saleiro, do meu quarto e do bebê da Fer com 3 meses de gestação. Dá para montar um museu inteiro de memórias.

Não. Não dá pra jogar fora.


Space Oddity?

17.6.10

Heart to Tell

Há dias em que uma simples música me faz pensar que a vida vale a pena.