15.9.12

Amanhecer

Uma vez ela havia lido um livro ruim onde apenas uma passagem pareceu interessante: a do protagonista vendo a amante usando dos mesmos gestos que usava com ele numa terceira pessoa. Empregava as mesmas frases prontas, exaltava suas próprias qualidades ao terceiro como fizera diante dele tantas vezes, se insinuava da mesma forma que ele conhecia tão bem. Ele havia acabado de abandonar a família para ficar com ela e, nesse momento, sentiu um peso enorme saindo de dentro de si, deu meia volta e voltou para casa. O livro era tão ruim que ela não sabia dizer se foi aceito de volta pela família, só lembrava que ele voltou a encontrar a felicidade depois disso.

Um dia, andando numa rua movimentada de sua cidade, viu a cena se repetindo na vida real. Ela era o protagonista. E o ser amado estava lá, usando as mesmas frases inteligentes, dando risada das próprias piadas para fazer a moça com quem estava embalar na sua gargalhada, cantando as mesmas músicas que fizeram com que a protagonista se apaixonasse por ele anos antes. E então compreendeu o livro ruim. E compreendeu seus sentimentos: ela não o amava, ela era apaixonada pela paixão. O moço era um tanto talentoso no uso de suas capacidades no jogo da conquista e aplicaria o golpe quantas vezes fossem necessárias para, como um vampiro, extrair até a última gota de vida da vítima. Mas a verdade é que nesse momento ela voltava à vida. 

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